segunda-feira, 21 de junho de 2010

Queimados

Neste imenso sertão nordestino encontra-se encravado o pequeno povoado chamado Queimados, que aos poucos foi perdendo a sua cor, o desfalecimento da sua gente humilde, e ninguém sabia a razão pela qual os agricultores estavam desanimados, e que a cada minuto viam as suas lavouras e a terra sendo castigadas, virando torrão.
As plantações de mandioca, batata doce, melancia e entre outras, não tinham forças para germinarem, os grãos que foram guardados de feijão, milho e farinha estavam chegando ao fim.
E é aqui, cercado pelo quase verde do cerrado,da caatinga e na grande abundância do xique-xique, que mora o senhor Joaquim, em um simples casebre feito de madeira nativa, e coberto com palhas de coqueiro, homem que pela idade de quarenta e dois anos, estar além do seu tempo, totalmente envelhecido pela dura vida que leva para sobreviver com sua esposa Amélia, uma mulher jovem de trinta e oito anos, meio esquálida, mas ainda emoldura uma bela face com dois maravilhosos olhos verdes-claro, que dessa união nasceram três filhos.
A luta é sempre constante para extrair do pequeno pedaço de chão que herdara de seu pai, e assim tirar o sustento da família. Mesmo assim levanta-se todos os dias por volta das cinco horas da manhã, com seu filho mais velho, o Raimundo, um jovem de dezessete anos, que devido as circunstância de sua realidade, nunca fora a escola,desde os sete anos foi praticamente obrigado a lidar com o cabo da enxada, seu único lápis, que no chão vai traçando uma história que alguém jamais quer escrever.
O dia estava um calor de rachar os miolos, a desesperança era o que brotava nos franzinos corpos de dois bravos guerreiros da caatinga. Mas Raimundo estava quase sem forças, e no vai e vem da enxada leva a manga da camisa à testa, e pergunta com voz fraca ao pai.
- Pai, quando é que nóis vai ter água da chuva pra moíá nosso chão? O pai que estava totalmente desacreditado disse:
-Fio, será que Deus tem pena de nóis? Oia, que eu já fiz de tudo pra nossa famia não morrer de sede e fome.
Sob o sol escaldante, e em meio a terra seca eles prosseguiram arando, e com um único pensamento: terem o seu próprio sustento.Senhor Joaquim faz uma pequena pause para tomar água debaixo de um enorme e velho cajueiro.Ofegante e sem fôlego pega a cabaça, uma caneca e despeja alguns pingos de água para matar a sede, enquanto Raimundo sustentar firme o cabo da enxada como numa dança compassada.Neste mesmo dia que estava apenas começando, caminha com passos firmes um emblemático e misterioso homem, aparentado calma e serenidade, à medida que trás paz na fala. Enquanto segue pelos caminhos sinuosos de Queimados um vento suave é exalado por todo povoado , como se fosse um bálsamo, mas ao mesmo tempo o distinto homem fica perplexo com o que a sua vista alcança, e de longe avista o pequeno terreno e prossegue a sua caminhada, e para enfrente ao passadiço que levava ao roçado.Parou,franziu a testa, e avistara um homem que mais parecia um ancião sentado debaixo do cajueiro, com o olhar fixo e distante do seu solo tão querido, quando de repente se assusta com a voz que dizia:
- Moço, por que essa terra e seus moradores estão tristes e moribundos?
Seus pensamentos são interrompidos, seu coração bate acelerado, no susto eleva a caneca à boca para jogar dentro do corpo a última gota de água que existira, assim podia acalmar o nervosismo. E responder com o semblante desfigurado e olhos quase fechados devidos a luz forte do sol na direção em que se encontrava o visitante.
-Quem o senhor pensa que é, pra achegar assim dessa maneira? Quase morro afogado nessa caneca de água.O homem não levara muito em conta os modos do senhor Joaquim, apenas alargou um franco sorriso,abriu as mãos, encolheu a cabeça sobre os ombros e repete as palavras para tirar a sua dúvida.
- Eu só gostaria de saber porque as pessoas deste lugar estão moribundas, esquálidas...
- Esqua... o quê?
- O que eu quis dizer é que as pessoas estão magras.
Senhor Joaquim olhou no semblante do homem, e do seu modo simples, da roça e de quem nunca conheceu as letras respondeu:
- Oia aqui moço, num carece falá enrolado, nóis tá precisando é de água pra moía nossa terra, pelo menos da chuva. Já tem tempo que tamo tentando prantar e nada vinga, eu não sei mais o que dá pros meus fios, e num exeste outro trabaio.
Após ter ouvido o senhor Joaquim o homem prontamente desfiou.
- O senhor já ouviu falar em amor e perseverança para prosseguirmos com mais entusiasmo e acreditarmos que tudo é possível quando temos fé? Não me leve a mal, mas primeiro devemos mudar o nome deste lugar.Segundo pesarmos em nosso pai maior que é Deus, assim todos terão esperança para que possam alcançar essa graça tão esperada nas lavouras, e delas tirarem o seu próprio sustento.
Com um punhado de terra seca na mão, sol escaldante e sustentado sobre a enxada senhor Joaquim ouvira tudo, mas responde do seu jeito rude.
- Mas uma vez eu pregunto.Quem o moço pensa que é, pro mode chegar dessa maneira como se fosse o dono dessa terra, e fala que quer mudar o nome de Queimados? Nóis precisa é de comida,água e terra boa pra prantação e vivê em paz como todo cristão.
Com voz serena o distinto homem responde.
- Meu caro e bom homem, eu entendo a sua angústia e desesperança.Agora entenda que é preciso que nasça dentro de cada um deste lugar a semente do amor, onde será lançada à terra e dela vermos os campos florirem, onde poderão colher e dividir o pouco que cabe a cada um.
- Oia, eu posso até ser um pouco fraco das letras, mas é disso que tamo precisando, e até hoje ta fartando na mesa de nóis, e no coração dessa gente como o senhor falô.
Tranquilamente o homem firmou nos olhos do senhor Joaquim e perguntou.
- O senhor tem fé? Acredita em Deus?...
A conversa é bruscamente interpelada pelo senhor Joaquim como se estivesse sido ofendido.
- Ter fé? Se acredito em Deus? Moço, faz tempo que ele abandonou a gente. Ispia a nossa terra,as pranta teimam em nascer e não tem força, do mesmo jeito semo nóis.Chuva, essa nem no natal.
E o homem insiste mais uma vez.
- O senhor acredita em Deus ? Se acreditares estais trazendo esperança e amor para o teu coração. Com a tua fé, Deus vai estar mais próximo dos seus propósitos,que é ver este lugar todo florido, as pessoas de largo sorriso, onde a tristeza será mera lembrança. Que Queimados poderá se chamar “ Pedaço de Amor”.
- Oxente ! Por que o senhor faz questão de muda o nome desse lugar? Eu acho que num carece de mudar, e se mudar o nome, esta terra vai brotar tudo o que nóis prantar, encher meu bucho, e o bucho desse povo? Não, deve de tá com os miolo trocado, doido varrido. Um louco.
Raimundo que só ouvira e não falara nada, soltou a enxada e saiu em disparada a seu pai e o visitante, e lhe implora de joelhos.
- Deixa pai, quem sabe ele seja um bruxo...
Senhor Joaquim enfurecido com o que filho falara fita-o nos olhos e diz.
- Não diga bestagem seu desmiolado! Nóis num tá precisando de um bruxo, muito menos de um curandeiro.
Ele se volta para o homem com os nervos a flor da pela e enfrenta-o dizendo.
- Viu o que o senhor fez, falando bobage na frente desse disajuizado. Afinal de contas quem é o senhor? Por que quer mudar assim de uma hora pra outra o nome de Queimados, pra sei lá o quê....
- Calma, o senhor está muito nervoso. Tome um pouco de água. Respondendo as suas indagações posso lhe afirmar que sou um homem que pode mudar qualquer realidade, por mais dura que ela seja, desde que os homens estejam dispostos a mudanças em sua vida, todos tem o livre arbítrio.
- Como vou pedir ajuda a um estranho, se não sei quem é o senhor.
- Esse estranho que vos fala está em todos os lugares, de várias maneiras e situações, onde tudo vê e sabe das dificuldades que cada um enfrenta. Basta ter Deus no coração.
As palavras iam caindo fortes como os pingos da chuva, e rachavam o solo do coração do senhor Joaquim. Que lentamente caia em si. E com os olhos quase lacrimejando e voz embargada fala ao nobre homem.
- Meu Deus e senhor! Perdoa pelas palavras duras desse homem grosso,estúpido e rude que fechou as portas do coração, e não deixou que tu morasse nesse humilde lar.
- Joaquim, eu entendo a tua angústia e tua dor. Sei que não é só tu que sofre, no entanto quero falar que já te perdoei desde o primeiro instante que pisei nestas terras. Como falei, eu estou em todos os lugares e em diversas situações para testar o homem, e vê se ele é capaz de amar o próximo. De hoje em diante viverás dignamente nesta terra, dela tirarás o sustento para tua família viver feliz. Não esqueça,o amor de Deus em primeiro lugar.
Sei que não é o nome de um lugar que vai solucionar todos os problemas, mas mudanças devem existir, e é assim que “Pedaço de Amor” deve ser fortalecido, pela luz divina. Queimados é como cada um de nós, em seu nome não deve ter o brilho e a alegria para pulsar, mas sem vida ninguém vive, é preciso que haja água para florir, e a terra fica harmoniosa, lembrando sempre da fé, que o homem dependendo da posição social ele tem seu valor, não importa o valor, basta ter dignidade.
-Não devemos perder a esperança, nada é difícil, temos que ser forte, se medirmos esforços saberemos o quanto nosso tempo é valioso.
Um mês se passou e Joaquim só lembrava do que ouvira do nobre homem de fala mansa, e que trazia consigo a calmaria e bonança.À medida que o tempo passava ele ficava mais fortalecido na fé e esperança, e desde então, não baixou a cabeça. Lembrando sempre, quem espera alcança. Onde aquele que acha que seu solo está seco, pode ter a surpresa da chuva para brotar os frutos da vida.
(Manuel Lima)

Nenhum comentário:

Postar um comentário